Be passionate
Como saber se sou apaixonado por tecnologia? Deixemos o criador do Ruby on Rails ser nosso guia.
Infelizmente na língua portuguesa a tradução de passionate é um pouco incompreendida: apaixonado acaba tendo uma conotação mais romântica e sentimental, enquanto passionate passa uma noção maior de entusiasmo e intensidade.
Muita gente descobriu o trabalho remoto durante a pandemia. Aquilo que para muitos era impensável, ou uma forma de trabalhar pouco enquanto assistia Netflix, se tornou uma realidade. A maioria esmagadora das empresas não estava preparada para essa mudança de paradigma – o que tornou a experiência de home office muito pior.
No entanto, para outros, a perspectiva do trabalho remoto desbloqueou inúmeras possibilidades. Subitamente tornou-se factível trabalhar de casa, evitar duas horas de trânsito, e até ganhar em moeda forte. Embalado por jargões do tipo "learn to code", muita gente viu na programação uma promessa de trabalho confortável e bem remunerado.
Nessa época, como eu já tinha muitos anos de experiência (inclusive trabalhando em empresas remote first desde 2017), perdi as contas de quantas pessoas me pediam conselhos de como começar a programar, o que estudar, etc. Grande parte das minhas respostas foi condensada em 3 conselhos práticos para crescer na carreira como programador, mas hoje eu queria explorar outro aspecto dessa conversa.
Quão apaixonado você é por tecnologia? Esse tema voltou à minha mente após assistir trechos do podcast com Lex Friedman e o DHH, que teve absurdas 6 horas de conversa. Se você não conhece o dinamarquês David Heinemeier Hansson, conhecido como dhh nas redes sociais, vale a pena fazermos um pequeno detour para traçar seu perfil e contar como eu conheci seu trabalho.
No final de 2015, pouco antes de terminar a faculdade de Engenharia de Computação na UFRJ, decidi iniciar uma empresa de consultoria com um amigo do trabalho. Tudo era muito novo para mim e comecei a buscar referências de como construir uma equipe de desenvolvimento da melhor forma possível – sem bullshit, produtiva, funcional. Caiu em minhas mãos um livro chamado Getting Real1 (2006) cujo autor era o fundador de uma empresa – desconhecida para mim – chamada 37signals. Ele também era o criador de um dos frameworks mais famosos da época, Ruby on Rails, além de ser piloto de corrida, participando inclusive das 24 horas de Le Mans. Esse homem era David Hansson, que havia escrito o livro com apenas 27 anos.
Os princípios do livro fizeram muito sentido e guiaram muitas das minhas decisões como jovem empreendedor. Fast forward para 2024 quando me deparei com um perfil no Twitter que falava sobre open source, alertava sobre os perigos da centralização da web pelos cloud providers, e pregava uma visão romântica da internet como originalmente concebida pela DARPA. Comecei a acompanhá-lo por concordar com suas visões e insights, e qual não foi o meu espanto, misturado de nostalgia e reverência, quando percebi que aquele homem que falava sobre tecnologia de forma tão passional era o autor do livro que deu início à minha carreira!
É impossível você assistir um trecho da conversa entre o Lex Friedman e o DHH e não notar um homem absolutamente apaixonado pelo que faz. Não pelo dinheiro, não pelo conforto do trabalho remoto – mas por construir, criar algo com as ferramentas que estão disponíveis hoje, aprimorá-las até. Tudo isso sem desprezar a beleza e plasticidade do que é construído, como um artista que se recusa a contaminar sua arte por dinheiro.
Hansson já ganhou muito dinheiro e não precisa se esforçar para correr atrás das novidades do momento. Mas a dedicação e o esforço que ele coloca em seus projetos, os princípios inegociáveis em cada empreitada, tornam-o um modelo invejável para qualquer um, iniciante ou experiente.
Por isso, repito a pergunta: quão apaixonado você é por tecnologia? Você percebe como diversão aprender uma nova tecnologia ou ferramenta, quase como se desbloqueasse um superpoder? Conta as horas para que chegue o final de semana e você possa brincar com aquele framework ou biblioteca que te apresentaram durante a semana? Recusa-se a fazer algo mal feito "só pra entregar", empenhado em colocar no produto que só você vai usar o mesmo esmero que teria se ele fosse usado por milhões?
Veja, eu não estou dizendo que você precisa sentir tudo isso para ser bem-sucedido na carreira, nem que você deve se matar no fim de semana pela sua empresa, trabalhar depois do horário para impressionar seu chefe, nada disso. Estou falando de passion, aquele sentimento que funde trabalho e hobby em uma coisa só. Aliás, eu sou o primeiro a proclamar que nem todo programador precisa ser profissional.
Eis então meu conselho prático para você: assista alguns cortes do DHH, observe o brilho em seus olhos e veja se é algo que você conseguiria sentir trabalhando como programador. E então você terá a resposta de quão apaixonado você é por tecnologia.
Até hoje esse livro pode ser lido de graça no site da Basecamp, antiga 37signals: https://basecamp.com/gettingreal