Goste você ou não da Inteligência Artificial, fato é que ela está afetando múltiplas áreas, seja de forma positiva ou negativa. Neste artigo quero explorar seu impacto no campo do frontend.
Quando comecei a programar, uma das coisas que mais gostava de fazer era criar interfaces. Interface é aquilo que separa duas entidades: no caso, o computador do humano. Para mim, poder interagir com um programa de computador era próximo ao mágico, o que tornava a programação uma espécie de superpoder, e logo me especializei nessa área.
Portanto, quando vejo pessoas anunciando o fim do frontend, isso chama minha atenção. Enquanto houver homens e máquinas, haverá interface, e naturalmente ela precisa ser pensada. Dizer que não há mais necessidade de aprender frontend é dizer que podemos delegar essa interação para a máquina, sendo que somos nós, os humanos, que realmente a utilizamos.
Vamos portanto analisar os argumentos de quem está pessimista com essa área, e ver que, embora eles tenham razões, ainda não tem razão.
Esse artigo é uma expansão do que já adiantei no X, e vou usar de ponto de partida um outro tweet que iniciou a discussão e teve ampla repercussão. Como discordo de muitos dos pontos apresentados, ofereço esse texto como uma contraposição em busca de iniciar uma discussão saudável.
Tese principal: alta possibilidade de automação
Comecemos pelo elefante na sala. A IA está cada vez mais avançada, e recentemente a Anthropic divulgou um vídeo onde demonstra o Claude Code replicando uma UI diretamente do Figma utilizando seu MCP (que não é novo, por sinal). Isso deixou os programadores em estado de alerta: estaria o frontend condenado a ser substituído pela IA, uma vez que ela consegue replicar um design no Figma pixel perfect?
Argumento que traduzir um layout do Figma (ou qualquer outra ferramenta de design) é provavelmente a parte mais fácil do trabalho de um desenvolvedor frontend. E isso por uma questão muito simples: é sempre mais fácil trabalhar de posse de um gabarito. Você sabe qual a resposta final, basta iterar diligentemente até chegar lá.
Além disso, replicar um design é algo passível de ser feito com HTML e CSS (embora na maioria das vezes seja utilizado um framework como o React), que tecnicamente não são linguagens de programação. Stricto sensu, esse trabalho nem poderia ser considerado programação.
Em outras palavras: replicar um design é um problema resolvido. Você pode fazer isso mais rápido ou mais devagar, mas qualquer pessoa com um mínimo de proficiência nas ferramentas chegará lá eventualmente. Portanto, o ganho aqui é meramente de eficiência (o que não descarto ser algo importante). Na prática, no entanto, o ganho é pequeno. Um bom frontend engineer implementa qualquer design no Figma sem muitos problemas. Portanto, o ganho de eficiência da IA, ainda que positivo, tem um teto relativamente baixo.
A verdadeira complexidade do frontend
Lembremos que frontend = interface, portanto aí está o verdadeiro trabalho. Uma boa interface precisa ser intuitiva, funcional, agradável e, de certo modo, até invisível. Ora, todas essas são qualidades que requerem um ponto de vista humano. Uma IA nunca poderá classificar algo como intuitivo, não é assim que ela trabalha.
Uma boa interface precisa ser intuitiva, funcional, agradável e, de certo modo, até invisível.
Sendo assim, é perfeitamente possível que um desenvolvedor frontend implemente um design pixel perfect, com o melhor código possível, e ainda assim o problema não esteja resolvido. Isso pois o erro foi no projeto da interface, não em sua implementação.
De fato, existe uma subjetividade aqui, e você pode argumentar que trabalhar sob subjetividade é ruim. Mas eu replico: na era da IA, tudo aquilo que oferece subjetividade está, na verdade, implorando por um input humano. E é justamente aí que você quer estar: fora da alçada da Inteligência Artificial.
Vamos explorar em seguida como a IA se aplica de formas diferentes no backend e no frontend.
O backend é determinístico
Considere uma simples aplicação de CRUD (create, read, update, delete) como uma todo list. O backend, aquele código que roda no servidor e interage diretamente com o banco de dados, não oferece muita margem para mudanças. Você recebe uma nota como input, salva no banco, retorna. Ou você recebe o id de uma nota existente, faz a busca no banco, deleta. Os casos de uso são bem definidos e as implementações tem um mínimo de variedade.
É a interface que é o diferencial aqui. É justamente a subjetividade da aplicação que permite que tenhamos milhares de apps disponíveis para gerenciar uma lista de tarefas, ainda que todos façam essencialmente a mesma coisa. Evidentemente você pode adicionar bells and whistles e argumentar que o que vai diferenciar um bom app é a capacidade de sincronizar na nuvem, funcionar offline, enviar notificações de lembretes, etc. Tudo isso pode ser verdade e o backend pode rapidamente crescer em complexidade, mas necessariamente um bom produto passa primeiro por uma boa interface.
É pela característica majoritariamente objetiva e determinística do backend que eu recomendei aos iniciantes que começassem por ele, já que o frontend requer essa habilidade extra, essa sensibilidade que se desenvolve somente com o tempo.

Isso não quer dizer que você não deva começar pelo frontend, e se essa área lhe atrai, sugiro começar o quanto antes. Apenas não despreze o que é precisamente o diferencial do bom frontend: entender a experiência do usuário com o produto e melhorar sua usabilidade de forma obsessiva.
Progressão de carreira
Eu disse que embora discorde da tese principal, existem razões para se evitar o desenvolvimento frontend. E uma delas é a progressão de carreira.
De fato, é difícil avançar sendo puramente frontend. Na verdade, quanto mais se avança em senioridade, mais a separação entre frontend e backend se apaga, requerendo que o programador se torne de fato full-stack.
No meu primeiro emprego remoto nos Estados Unidos, eu era exclusivamente frontend, e modéstia à parte, o melhor do time com folga. Isso fazia com que eu implementasse praticamente todas as telas e fosse sempre consultado. O time me adorava e eu era muito bem tratado.
Na época, porém, eu era subcontratado (quem pagava meu salário não era a empresa onde eu estava alocado). Isso tirava a visibilidade do meu trabalho, de modo que permaneci alguns anos sem aumento, mesmo sendo constantemente elogiado. Quando trouxe esse argumento ao meu chefe, ele reconheceu meu trabalho, mas disse que se eu tinha pretensões de subir na carreira, precisaria ir além de fazer somente frontend.
Ele estava certo. Não porque o frontend é menos digno ou complexo, mas porque me dava pouca visibilidade (recorde que uma boa interface parece invisível). De fato, eu havia me acomodado na função, o trabalho era fácil para mim e entrei numa zona de conforto que, embora não tenha nada de errado, atrapalhava minha progressão de carreira.
Sendo assim, quando troquei de emprego, decidi me posicionar como full-stack, ainda que minha paixão sempre tivesse sido (e ainda é) o frontend. Não tem problema ser um programador full-stack cuja dedicação é 80% no frontend: apenas deixa a porta aberta para ajudar no backend também1.
Conselhos práticos
Se você trabalha majoritariamente no frontend, gostaria de encerrar com alguns conselhos práticos.
Em primeiro lugar, não se desespere nem dê ouvidos a quem prega o fim da área. Espero que com o que foi dito aqui você esteja um pouco mais confiante no seu futuro.
Ainda assim, é preciso reconhecer algumas coisas: de fato, a IA provê um ganho de eficiência impressionante. Se a sua principal característica é replicar o design do Figma, mude isso imediatamente. Um bom frontend entrega além: ele observa o produto de forma holística, percebe as nuances de interface e usabilidade, propõe mudanças, e traz sua expertise técnica para o design. Como alguém que trabalhou muitos anos sendo exclusivamente frontend e que hoje contrata profissionais, posso garantir que são pouquíssimos os engenheiros capazes de fazer isso.
Um bom frontend entrega além: ele observa o produto de forma holística, percebe as nuances de interface e usabilidade, propõe mudanças, e traz sua expertise técnica para o design.
Também, não há mais razões para temer o backend. Com a IA, grande parte da dificuldade vai embora, principalmente se você atuar apenas esporadicamente no servidor. Assumindo que você seja contratado majoritariamente pelas suas capacidades na interface, é provável que tudo que você precise fazer no backend são pequenos ajustes, e não otimizações complexas ou grandes modelagens. Em problemas autocontidos como criar ou estender um endpoint, a IA funciona sem grandes esforços e, dominando-a, você se tornará ainda mais útil.
Por fim, trabalhar com programação é se adaptar. Houve um tempo que o termo da moda era frontend fatigue, quando todo dia surgia um framework novo na área. Para o bem ou para o mal, React hoje é a biblioteca padrão, mas amanhã pode ser outra. Não se preocupe tanto com isso. Se tem algo que desejo passar nos meus textos é menos um apego à tecnologia, e mais uma visão de engenharia: nossa missão é resolver problemas da vida real com software. Uma vez que dominamos essa habilidade, a implementação passa a ser um mero detalhe – um detalhe que de bom grado delegaremos à IA.
De modo geral, se esforce para não ser um blocker. Ver Trabalho remoto não é para todos.