Trabalho remoto não é para todos
Mas se for para você, é uma das melhores coisas que podem te acontecer.
Essa semana o Itaú realizou uma demissão em massa (layoff), cuja razão teria sido a baixa performance dos trabalhadores remotos. De repente, todo mundo começou a discutir a ineficiência do management do Itaú, as práticas retrógradas da gestão, a ganância de um banco que apresentou mais de R$ 11 bilhões de lucro líquido recorrente no último trimestre, e até mesmo a ingenuidade dos funcionários por não utilizar softwares que simulam atividade do mouse.
Confesso que esse assunto me incomoda, principalmente por notar que essa discussão é conduzida de forma pouco inteligente e romantizada por ambos os lados: aqueles que acham que profissionais remotos não trabalham de verdade, e os que consideram ultrapassada qualquer empresa que prefira o regime presencial.
Nesse artigo gostaria de falar de forma franca sobre o assunto, e oferecer um insight ou outro como alguém que trabalha de forma remota desde 2017.
Remote-first é diferente de remote-friendly
O primeiro e mais crucial aspecto da discussão é classificar em qual lado sua empresa está: ela foi projetada para ser remota, ou está circunstancialmente aceitando essa modalidade de trabalho?
Essa é a diferença entre se ter “paz de espírito” ao trabalhar remoto e estar a uma canetada de ter que voltar para o presencial. Empresas que foram criadas com o propósito de serem remotas obviamente são muito mais estáveis, uma vez que culturalmente a empresa já entende que certos processos serão diferentes (comunicação assíncrona, reuniões por vídeo, respeito pelo horário de trabalho, desempenho medido por produtividade, etc). Tudo isso vem acompanhado por uma certa expectativa natural, uma espécie de contrato social entre os participantes.
Já empresas que estão circunstancialmente remotas ou que oferecem um modelo híbrido tem uma dificuldade muito maior de alinhar expectativas. Pessoas não habituadas ao trabalho remoto podem questionar o empenho de um funcionário, favorecer aqueles que tem maior contato, gerar maior carga de trabalho por não saber diferenciar o tempo de resposta fora do horário comercial, etc.
Portanto, se tem uma lição que eu gostaria de deixar nesse texto, é: se sua empresa não nasceu remota, é grande a chance dela deixar de sê-lo, e isso não deve ser motivo de surpresa, irritação, decepção, etc. Serei até mais ousado: ela está fadada a reverter para o presencial.
Decidir ser presencial não é um absurdo
O segundo aspecto que me incomoda profundamente nessa discussão é quem trata empresas que operam de modo 100% presencial como se fossem retrógradas. Ora, se fosse assim então Tesla, SpaceX, X, OpenAI, Anthropic, Cursor, Lovable, etc., seriam todas retrógradas.
É uma decisão da gestão, particularmente comum em startups e empresas que trabalham na fronteira da tecnologia, de montar um time presencial. Não me esqueço da vez que Paul Graham, fundador do Y Combinator, investidor em empresas como Dropbox e Airbnb e muito famoso no Vale do Silício, perguntou: “se você soubesse que em um competidor tem seu time trabalhando presencialmente em vez de remotamente, você ficaria mais ou menos preocupado?”. Tente responder com sinceridade.
O que muitas pessoas não entendem é que optar por ser remoto é uma decisão muito mais econômica que filosófica. Empresas que são remote-first pretendem arbitrar o salário dos funcionários (o que é legítimo), e incorporam essa vantagem competitiva em seus planos de crescimento. Empresas com bolsos fundos não tem essa preocupação, uma vez que conseguem pagar altos salários e trazer talentos para seu HQ.

Híbrido pode ser o pior dos dois mundos
Para contrastar a decisão do Itaú, muita gente tem usado uma frase recente do CEO do iFood de que “ninguém me mostrou num número de que isso [trabalho exclusivamente presencial] é melhor”1. Sobre isso, alguns pontos:
A frase foi dita num contexto onde ele mostra justamente a expansão do escritório do iFood. Ora, se ele tivesse esse número – ou seja, conseguisse garantir que trabalho remoto apresenta maior produtividade – seria irracional expandir um ambiente físico em vez de investir no remoto.
Para cada CEO que garante que remoto é melhor, existem dois que preferem presencial. Cito novamente Paul Graham que há 2 anos já avisava2 estar percebendo uma movimentação de founders retornando ao modelo tradicional.
Sou cético no geral com qualquer medida de “produtividade”, uma vez que métricas como receita e número de usuários são um resultado de muitos fatores, e argumentos podem ser feitos de ambos os lados sobre porque um determinado crescimento foi observado.
Para adicionar mais à discussão, considere que ainda em 2020 o CEO do GitLab alertou sobre os perigos do modo de trabalho híbrido3, em particular sobre a criação de duas experiências diferentes de trabalho que pode fazer com que funcionários remotos se sintam excluídos e sejam percebidos como menos efetivos (sounds familiar?)
Por fim, já ouvi relatos de quem trabalha no formato híbrido de que aqueles que frequentam mais o escritório terminam abocanhando a maior parte das promoções. Por mais que você considere isso um viés comportamental, é comum, acontece, e fingir que não ocorre não irá ajudar.
É preciso saber trabalhar remoto
O trabalho remoto tem uma etiqueta particular que não deve ser desprezada. Não é preciosismo nem exagero – as circunstâncias premiam certas atitudes em detrimento de outras.
Por exemplo, o maior ponto de contato entre o funcionário e seu time é durante as reuniões. Se houver uma daily, é bem provável que o horário escolhido seja o de maior overlap com o resto dos companheiros. Sendo assim, organize sua rotina em torno desse horário. Planeje estar mais disponível nesse momento, ainda mais se a empresa conta com pessoas trabalhando em diferentes fusos. Maximize sua chance de ser útil.
Seja responsivo durante o dia e evite ao máximo ser um blocker para outros. Se for ficar off do trabalho, não simplesmente saia: você nunca faria isso num emprego presencial. Ao contrário, garanta que alguém consegue cobrir suas entregas, ou entrar em contato se necessário. Melhor ainda: não deixe pendências.
Aprenda a se comunicar de forma assíncrona. Lembre-se, tudo que você quer é não ser um blocker. Uma regra que observo sempre: toda mensagem que envio precisa terminar passando a bola para a outra pessoa. Não apenas dê bom dia, mas emende logo com sua pergunta ou pedido. Não apenas diga que não sabe como proceder, mas ofereça alternativas, escolha uma delas, e explique o porquê.
Cansei de resolver questões antes que elas se tornassem um problema falando algo do tipo: “Hey, for the ticket 1234 I realized we didn't decide what to do when X happens. We could do either A or B. I suggest we do C because of D, what do you think?”. Note como eu estou facilitando a vida do tomador de decisão; em vez de pensar na solução, tudo que ele precisa fazer é concordar comigo.
A grande vantagem do trabalho remoto é a flexibilidade, portanto faça o máximo possível para que você seja notado como um problem-solver.
Trabalho remoto é culturalmente novo no Brasil
Quando comecei a trabalhar remotamente em 2017, praticamente ninguém conhecia esse conceito. As pessoas eram incapazes de conceber que eu passava o dia todo em casa trabalhando e não assistindo Netflix.
Depois de 2020 muitas empresas foram forçadas pelas circunstâncias a adotarem esse regime de trabalho. Como já dito, a diferença entre remote-first e remote-friendly é crucial. Até a engessada legislação brasileira não sabe muito como lidar com trabalho remoto, e tem se adaptado com o carro em movimento.
Também, não vamos nos enganar: trabalho remoto é consideravelmente mais popular entre empresas de tecnologia, e quantas delas temos no Brasil? É triste mas compreensível estarmos tão atrás, razão pela qual eu insisto constantemente que a melhor linguagem para começar a programar é o inglês4.
A boa notícia para nós brasileiros é que a união da arbitragem salarial devido à moeda fraca, com a cultura ocidentalizada (principalmente se comparado a países como Índia, Indonésia e China), e o fuso horário similar, torna-nos uma ótima escolha em muitos casos.
Aproveito para compartilhar o portal de vagas internacionais desenvolvido pelo Lucas Faria (que também está aqui no Substack). Essas empresas são majoritariamente remote-first e contratam brasileiros. Não pretendo minimizar a dificuldade de conseguir alguma dessas vagas, mas existe um caminho (do qual eu e muitos outros já trilharam) e ele com certeza vale bem mais a pena do que ter que baixar um software para simular o movimento do mouse.
Cuidado com o que você posta na internet
Por fim, pode ser algo óbvio mas vejo muitos tratando esse assunto de forma leviana: não saia xingando seu empregador (ou algum em potencial) de forma pública na internet. Isso não é “censura” e fazer isso não tornará-lhe “autêntico” – apenas trará uma desconfiança desnecessária sobre você.
Entenda que o processo seletivo de uma empresa remota possui bem menos informações do que o normal. Um número maior de inferências precisa ser feito, justamente pelo fato de não existir esse contato físico na maior parte das vezes. Se você, como eu, acredita que processos seletivos não devem ser longos, isso torna tudo ainda mais complicado: é necessário fazer um judgement call não apenas na questão técnica, mas comportamental, com a menor quantidade de interações possíveis.
Sendo assim, é natural que sinais públicos sejam adicionados à equação. Ninguém – absolutamente ninguém – vai olhar você chamando seu antigos gestores de retrógrados e incapazes e ignorar esse fato. Eu já presenciei um caso onde um candidato foi aprovado em todas as etapas técnicas mas eliminado após conversar com o CEO, que não gostou de alguns comentários feitos no LinkedIn e que ele classificou como “low IQ thinking”.
Note que não estou advogando que você mude sua personalidade. Eu mesmo não sou o melhor exemplo disso e tendo a falar demais. O que estou sugerindo é que se use o bom senso, o mesmo que faz com que você se comporte de uma forma num jantar com sua avó, e de outra completamente diferente numa mesa de bar.
Conclusão
Trabalhar remotamente é ótimo, mas não é para todos os profissionais, nem para todas as empresas. Conheço pessoas que enlouqueceriam se não tivessem 5 minutos jogando conversa fora no meio do expediente. Tudo certo – não são low performers por conta disso.
Se você deseja construir uma carreira remota, sugiro que leve as recomendações desse texto a sério. Se esse estilo de vida e trabalho for pra você, é uma das melhores formas de crescer profissionalmente e buscar altos salários sem comprometer a qualidade de vida.
Só não se esqueça de que existe um mundo onde o trabalho presencial é preferível, que existem razões justas para tal escolha, e que você estará melhor se buscar as empresas que já nasceram com a filosofia de serem remote-first.
Hybrid Remote Work Offers the Worst of Both Worlds (Wired, 12 de Julho de 2020).


