Qual é a melhor linguagem para começar a programar?
A resposta pode ser diferente do que você pensa.
A pergunta é clássica: "Qual é a melhor linguagem para começar a programar?" Se você já deu uma olhada por aí, com certeza presenciou debates fervorosos: “Python é mais fácil! JavaScript domina a web! C++ te dá a base!” Mas, será que essa é realmente a discussão mais produtiva para quem está começando?
Hoje gostaria de propor uma perspectiva diferente. Existe um elemento frequentemente subestimado nessa conversa, um fator que pode ser o verdadeiro diferencial para sua carreira na área de tecnologia.
Para uma versão em vídeo desse post, confira o vídeo acima no YouTube.
Além do "Fetichismo Linguístico"
É muito comum observarmos o que chamo de "fetichismo linguístico" – aquela paixão quase clubística por uma determinada linguagem, defendendo-a como se fosse a única ou a melhor em absoluto. Embora saudável até certo ponto, essa discussão pode ofuscar o que realmente significa ser um programador.
No cerne, programar é um exercício contínuo de abstração. Trata-se de analisar um problema complexo do mundo real, quebrá-lo em partes lógicas e, então, construir uma solução concreta e funcional utilizando a tecnologia como sua principal ferramenta.
Nesse cenário, as linguagens de programação – Python, JavaScript, Go, C++, Java, etc – são apenas ferramentas na sua caixa. Assim como um marceneiro não usa apenas um martelo para construir uma cadeira, você não usará (ou não deveria usar) apenas uma linguagem para resolver todos os problemas. Cada uma tem seus pontos fortes, suas áreas de aplicação ideais, suas comunidades e ecossistemas.
Sim, algumas linguagens, como Python, são notoriamente mais beginner friendly, com uma sintaxe que se assemelha mais à linguagem humana e com uma curva de aprendizado mais suave. Começar por elas pode ser uma ótima estratégia – podemos adotar o conselho de São Tomás de Aquino: "escolha entrar no mar pelos regatos". Mas fixar-se apenas na escolha da primeira linguagem técnica pode ser um erro estratégico a longo prazo.
A Única "Linguagem" Essencial
Se estamos falando da habilidade linguística que terá o maior impacto na sua trajetória, aquela que abrirá mais portas e acelerará seu desenvolvimento, a resposta é clara e, talvez, contra-intuitiva para alguns.
Se é para aprender uma linguagem no início, então foque no inglês.
Sei que pode soar como clickbait, mas não me abandone ainda; tenho uma convicção profunda sobre isso, moldada por anos atuando no mercado global de tecnologia, e quero detalhar os motivos:
Programar é Comunicar
Um ponto fundamental que muitos iniciantes esquecem: embora o output final seja para o computador (que só entende linguagem de máquina, os zeros e uns), o código-fonte que escrevemos é primariamente para outros seres humanos. Seus colegas de equipe, outros desenvolvedores, e até mesmo o seu "eu" do futuro precisarão ler, entender e modificar esse código.
Além disso, todas as keywords e construções básicas das linguagens de programação populares (for, while, if, else, class, function, return, import, etc.) são palavras em inglês. Isso já estabelece uma base anglófona incontornável.
Sendo assim, nomear variáveis, funções, classes e escrever comentários em inglês cria um código muito mais coeso e universalmente compreensível. O que soa mais natural para você:
for stock in stocks:
# Do something
Ou:
for acao in acoes:
# Faça algo
É evidente que a primeira opção é mais idiomática dentro do contexto da programação. Manter todo o código em inglês reduz a carga cognitiva necessária para entender o código, tornando o trabalho consideravelmente mais fácil.
Acesso à Comunidade Global
A comunidade de tecnologia se move em inglês. A quantidade e a qualidade dos recursos disponíveis nesse idioma superam, por ordens de magnitude, o que encontramos exclusivamente em português.
Documentações oficiais, tutoriais avançados, artigos acadêmicos, discussões em fóruns (como Stack Overflow, Reddit), livros técnicos e cursos online de ponta são, em sua maioria, publicados primeiro (ou exclusivamente) em inglês.
Dominar o inglês técnico permite que você interaja não apenas com desenvolvedores dos EUA ou Reino Unido, mas com a comunidade global: alemães, indianos, holandeses, espanhóis, australianos... todos usam o inglês como a lingua franca para colaborar e compartilhar conhecimento.
E a Inteligência Artificial?
Goste ou não, é inegável que estamos vivendo uma revolução na forma como interagimos com as máquinas, impulsionada pelos LLMs (Large Language Models) como ChatGPT, Claude e Gemini. Cada vez mais, usamos linguagem natural – nossa forma de falar e escrever – para dar instruções complexas ao computador.
Por mais que as IAs são capazes de entender qualquer língua, todos os modelos são treinados com volumes imensos de dados cuja maior parte está em inglês. Consequentemente, a capacidade de entender nuances, interpretar intenções e gerar código ou soluções sofisticadas é significativamente maior quando a comunicação é feita nessa língua.
Por fim, não foi por acaso que Andrej Karpathy (uma referência na área de AI, co-fundador da OpenAI e ex-diretor de AI na Tesla) escreveu o seguinte no X (quando ainda se chamava Twitter):
"The hottest new programming language is English".
A capacidade de articular problemas e descrever soluções de forma clara e precisa em inglês já se tornou uma habilidade essencial para extrair o máximo potencial dessas novas ferramentas de IA.
Bônus: Carreira Internacional
Para além dos benefícios técnicos e de aprendizado, o inglês abre portas concretas e financeiramente atraentes:
Portfólio Global: Seu perfil no GitHub ou LinkedIn, seus projetos pessoais e contribuições open-source, quando documentados em inglês, tornam-se seu cartão de visitas para o mundo todo.
Trabalho Remoto e Moeda Forte: O mercado de trabalho remoto para desenvolvedores é global. Dominar o inglês multiplica exponencialmente suas chances de conseguir vagas em empresas estrangeiras, permitindo que você ganhe em dólar ou euro, mesmo morando em Xique-Xique na Bahia – uma vantagem financeira considerável.
Oportunidades de Relocação: Se mudar para outro país está nos seus planos, o inglês é indispensável. Muitos hubs de tecnologia (como Berlim, Amsterdã, Dublin, além dos EUA e Canadá) buscam ativamente talentos internacionais e podem oferecer visa sponsorship.
Concluindo
Portanto, antes de ter crises de ansiedade sem saber como se decidir entre Python, JavaScript ou qualquer outra linguagem técnica, invista no inglês. Ele não substitui a necessidade de aprender a programar, claro, mas atua como um multiplicador poderoso para seu aprendizado, sua capacidade de resolver problemas e suas oportunidades de carreira.