Manter-se atualizado não precisa ser um fardo
Tudo muda muito rápido, mas existem coisas que só você faz.
Quando eu era mais novo, ouvi múltiplas vezes meu pai repetir em tom solene: "na medicina tudo muda muito rápido, é preciso estar sempre estudando". Não lembro o efeito que isso produzia em mim – se me estimulava ou desanimava – mas fato é que assumi uma linha de trabalho que muda ainda mais rápido e não posso alegar que tenha sido por falta de aviso.
O mundo da tecnologia é acelerado, instável e mutável. O que se fazia ontem se torna antiquado hoje. Existe sempre uma forma melhor e mais rápida de fazer alguma coisa, e se você decidir fechar os olhos por um instante pode reabri-los com a impressão de que ficou para trás. Não à toa muitos profissionais de tecnologia sonham com uma vida mais tranquila: uma fazenda, a natureza, algum tipo de trabalho manual como marcenaria, etc. Qual a raiz disso tudo?
Com a tecnologia, tudo é feito em escala. Novas descobertas e melhorias são acessíveis instantaneamente no mundo todo – veja como as bolsas americanas reagiram quando a chinesa DeepSeek publicou o white paper descrevendo sua nova arquitetura. Por isso, qualquer ganho marginal compõe-se exponencialmente, e em momentos de aprimoramento de novas tecnologias, esse efeito é particularmente poderoso.
Quando o GPT-3 foi introduzido e LLMs se tornaram mainstream, um novo campo de uso se abriu. O que antes era restrito às discussões acadêmicas ou às empresas especializadas, passou a estar nas mãos dos criadores de produtos – eu e você – para aplicarmos em nossos próprios contextos. Subitamente, não utilizar Inteligência Artificial na área X tornou-se uma liability: alguém irá fazer isso, será que vai dar certo? Se der, como eu fico nessa história?
Evidentemente a Lei da Oferta e da Procura começou a fazer sua mágica. A demanda pelo uso de IA explodiu assustadoramente, fazendo com que todas as atenções voltem-se para esse assunto, infundindo dinheiro no setor e fazendo com que cada vez mais empresas e pessoas queiram participar desse gold rush, alguns com pás e picaretas, outros vendendo as ferramentas.
Mas e como fica você nessa história? Preciso participar dessa corrida? É preciso "estudar para não ficar desatualizado"?
Em primeiro lugar, sempre haverá espaço para boring technologies – no bom sentido da palavra. Aquelas tecnologias estáveis, dificilmente disruptáveis por serem a base na qual se constrói o hype de hoje. Aqui falamos de linguagens como C, C++, Fortran, COBOL, etc. É verdade que muitas vezes são restritas à academia, ou a um conjunto muito pequeno de empresas (desde que entrei na faculdade, em 2011, só ouvi histórias de COBOL, normalmente associadas a bancos e me pareciam um tanto assustadoras).
Em segundo lugar, nem toda empresa tem a perspectiva de receber VC money e portanto precisa dançar a música que toca nos salões da NASDAQ. Existem empresas nesse sentido independentes, e portanto com uma maior previsibilidade dos negócios e menos suscetível ao hype. Gosto particularmente do manifesto do Obsidian, que humildemente adaptei para o QuantBrasil.
É preciso entender, no entanto, que o maior número de ofertas – e consequentemente, dinheiro – orbitará em torno desse tema, até que algo mais quente o substitua (quando estava na faculdade o assunto do momento era desenvolvimento mobile). Também é verdade que existe um ganho de produtividade esperado com essas novas ferramentas, e certas coisas que antigamente eram feitas em dias hoje podem ser one-shotted, se bem feitas, em ferramentas como Cursor ou Claude Code.
Por exemplo, no meu primeiro emprego como programador eu desenvolvia basicamente CRUDs para o back-office de uma empresa. Durante a hack week que participei recentemente e cujos aprendizados publiquei no último post, fiz um trabalho muito similar em questão de poucos minutos. Negar que existem formas mais eficientes de se fazer uma tarefa hoje do que existiam há 5, 10 anos, é brigar com a realidade. Nesse sentido, precisamos ser iguais aos médicos: a tecnologia vem para ajudar.
Mas o que nunca sairá de moda é a formação holística do profissional – médico ou engenheiro – que vai além do simples manuseio da ferramenta, mas entende o que fazer com aquela informação e como conectá-la com a realidade observada. Não ironicamente, essa valência é cada vez mais valorizada: quando todos podem utilizar uma ferramenta, destaca-se aquele que sabe melhor o que fazer com ela.
Esse é o principal driver dessa newsletter e do meu canal do YouTube: separar a ferramenta do que é humano. Se você se sente estafado, desestimulado, desatualizado, eis meu apelo: respeite os avanços tecnológicos sim, pois eles importam, mas aprenda o quanto antes como aplicá-los na sua área de modo que sobre tempo para que você faça aquilo que não se pode delegar à máquina. Fazendo isso, você não só deixará de temer os avanços tecnológicos, mas passará a recebê-los com entusiasmo.
Uma coisa é inegável, no entanto. Na engenharia de software tudo muda muito rápido, é preciso estar sempre estudando...